Afinal, pergunta muito boa gente, é mau comer carne vaca? É crime comer carne vaca? É seguro comer carne de vaca? É contra o ambiente comer carne de vaca?
O ambientalmente correcto, que está na moda, é dizer que a produção de carne vaca é insustentável. E também ouvimos e lemos pessoas a afirmar que a carne de vaca faz mal à saúde.
Sejamos claros: se a opção é não comer carne, de vaca ou qualquer outra, devemos respeitar, com melhor ou pior justificação é um assunto do foro íntimo de cada um.
Já quando se condena, e até proíbe o consumo, aqui será necessário justificar muito bem tal atitude, pois, para além do mais, há vacas e… vacas.
No Relatório Resumo da Comissão EAT-Lancet, de Janeiro de 2019 *, resultante do trabalho da mesma comissão sobre “Dietas saudáveis de sistemas alimentares sustentáveis”, é dada a conhecer a nova roda dos alimentos, e apesar das restrições, há lugar para a carne, nomeadamente a de vaca. Pouca, é verdade, mais ainda assim, esta autoridade em termos médicos e ambientais, não a proíbe.
Atentemos, para já, no facto de que este relatório foi elaborado na mais actualizada perspectiva de conciliação entre os conhecimentos nutricionais e ambientais. Aliás o lema actual da Comissão EAT é “Dietas Saudáveis A Partir De Sistemas Alimentares Sustentáveis”.
E mesmo assim… não proíbe a carne de vaca…
Então, afinal, o que é que se passa?
Comecemos por notar que, segundo calculou a NASA, em 2018, no âmbito do seu programa “Carbon Monitoring System” **, as emissões de metano com origem na criação de gado no mundo atingiram 16% das emissões de Gases com Efeito de Estufa (GEE).
Se para um dado efectivo de gado ruminante existente o volume de emissões não pode ser diminuído, pois deriva de eructações próprias do seu sistema digestivo, já quanto a emissões de CO2, a forma de criação do gado tem imensa influência no volume emitido, conseguindo-se no sistema de pastagens natural, reduções da ordem dos 32 % na respectiva pegada. A forma e distância de transporte do produtor até ao consumidor é ainda uma fonte de emissões de CO2 acrescida, sendo naturalmente menos significativa quando se trata de consumo local.
Concentrando-nos agora na forma de produção, por exemplo, de gado bovino, verificamos que existem no mercado mundial três grandes tipos de criação de gado bovino:
- A produção local certificada, extensiva e em pequena ou média escala, feita sob rigorosos padrões de sustentabilidade e de regime alimentar;
- A produção massiva e extensiva, típica da América do Sul, que tem como principais óbices as grandes distâncias a que se encontra grande parte dos consumidores finais, o que reduz a sua sustentabilidade, e o crescimento constante das áreas cultivadas, frequentemente roubadas à floresta com a conivência das autoridades, para expansão da produção e maximização dos lucros das poderosas empresas produtoras, o que, reduzindo as áreas de sumidouro natural, representa ainda maior dano na sustentabilidade da produção como um todo.
- A produção industrial intensiva de carne, que se verifica um pouco por todo o mundo, mas que tem o seu paradigma nos Estados Unidos da América.
Deixemos de fora os muito pequenos produtores, pois pouca relevância têm para a problemática que estamos a abordar.
Sobre o modo de produção industrial, socorremo-nos do depoimento de Michael Pollan, jornalista de investigação e professor, na sua incontornável obra “O Dilema do Omnívoro”, publicada pelo New York Times e editada em Portugal pela Dom Quixote.
Numa parte da obra Pollan explica a origem do problema: a produção de milho nos Estados Unidos, fortemente subsidiada, e as perversões que dessa subsidiação resultam. Muito resumidamente, é-nos dado a conhecer que pelo facto de o milho ser tão subsidiado e o mecanismo de formação de preços existente a isso conduzir, os produtores são impulsionados a uma permanente e pouco racional expansão da produção deste cereal, ocupando hoje a descomunal área de cerca de 40 milhões de hectares, sempre com tendência para crescer. A produção de 2019 atingiu já cerca de 380 milhões de toneladas.
Segundo o autor que venho referindo, “as implicações da assimilação de toda esta biomassa em excesso explicam vários fenómenos, aparentemente desconexos, desde a importância crescente das grandes explorações pecuárias e a industrialização da comida, à epidemia de obesidade e ao elevado número de situações de intoxicação alimentar na América”.
Então que destino concreto é dado ao milho? O autor esclarece: alimentam o gado a milho e depois abatem-no, antes que morra… Isto porque os ruminantes não podem comer milho, nem outros cereais, é contra natura!
O milho é ainda usado para produzir etanol, substituto parcial da gasolina, bem como para produzir xarope de milho, com elevado teor de frutose, e outros derivados de milho, destinados a alimentação humana e a rações para animais, nomeadamente para aves, caprinos, suínos e peixes como o salmão.
Mas três quintos do milho produzido, cerca de 230 milhões de toneladas, são destinados às grandes explorações pecuárias, lugares esses que só existem devido à existência desse exagero de milho, e onde centenas de milhões de cabeças de gado, que antes viviam em quintas e ranchos, se encontram agora em grandes aglomerados de “fábricas”, constituindo verdadeiras cidades, onde são estabulados e induzidos a comer o máximo de milho, para o transformar em carne.
Estas metrópoles onde o gado é urbanizado e se concentram também fábricas de produtos químicos e de rações, depósitos, silos, sistemas de transporte e distribuição de alimento e muitas outras infraestruturas, são chamadas CAFO (Concentrated Animal Feeding Operation) e criaram problemas ambientais que não são de somenos: água e ar poluídos, resíduos tóxicos, novos agentes patogénicos, resíduos orgânicos sem destino e consumo fortemente acrescido de combustíveis fósseis, com as correspondentes emissões associadas.
Concretamente, os animais nascem, vivem até aos seis meses em pastos e são em seguida transportados para esses aglomerados fabris onde permanecem um máximo de 150 dias, sendo alimentados com uma mistura de milho moído, vitaminas líquidas, estrogénio sintético, antibióticos, gordura líquida (de vaca ou outros animais) e suplemento proteico.
Refere Michael Pollan que “Uma dieta intensiva de milho pode provocar acidose à vaca. Ao contrário dos nossos estômagos altamente ácidos, o pH do rúmen é neutro. O milho torna-o ácido, causando uma espécie de azia bovina que, em certos casos, pode matar o animal, mas que geralmente apenas os faz adoecer… O gado raramente sobrevive mais de 150 dias com a dieta de uma grande exploração pecuária… Aquilo que mantém estes animais saudáveis (ou relativamente saudáveis) são os antibióticos”.
O autor faz ainda referência ao grande apreço nacional (nos EUA, claro) pela “excelente” carne tenra e marmoreada (entremeada de gordura) comercializada nos EUA, de que tanto se orgulham, e que afinal não passa de carne de animais doentes, abatidos antes que morram da doença que lhes foi induzida por uma alimentação antinatural.
A sustentabilidade ambiental deste tipo de produção não deixa dúvidas: milho produzido de modo intensivo, à base de fertilizantes dependentes de combustíveis fósseis, fábricas e maquinaria que nunca seria necessária numa quinta e, se ainda fosse pouco, todos os problemas ambientais já referidos. A isto tudo soma-se a perda de sustentabilidade que seria proporcionada por uma pecuária desenvolvida em ambiente natural e integrada na economia circular duma quinta tradicional.
Resumindo, e como dizia no princípio, há vacas… e vacas, ou seja, carne de vaca… e carne de vaca.
Como vimos, a Comissão EAT recomenda um consumo bastante moderado de carne de vaca.
Aceite esta recomendação, a sustentabilidade ambiental deverá ser, então, o nosso principal critério de preferência, tendo em consideração que o mercado português de carne de vaca sustentável ou mais sustentável, muita dela já certificada, só espera pela nossa preferência esclarecida para se poder desenvolver mais e prestar um serviço inestimável à saúde e à economia dos portugueses.
Serra do Rabadão, Barrosã, Quinta Lógica, Terra Maronesa, Alentejana e muitas outras, são carnes de grande qualidade e seguras para consumo. Há que lhes dar preferência!
Talvez seja um pouco mais cara, mas como vamos comer menos carne, as coisas equilibram-se.
E, porque as vacas emitem muito metano, temos mesmo que moderar muito o seu consumo, já que o contingente mundial de gado vacum tem que ser reduzido, segundo os entendidos, para menos de um décimo.
As soluções dos problemas ambientais não estão a começar nos governos. Pois que comecem, pelo menos, em nossas casas.
O ambientalmente correcto, que está na moda, é dizer que a produção de carne vaca é insustentável. E também ouvimos e lemos pessoas a afirmar que a carne de vaca faz mal à saúde.
Sejamos claros: se a opção é não comer carne, de vaca ou qualquer outra, devemos respeitar, com melhor ou pior justificação é um assunto do foro íntimo de cada um.
Já quando se condena, e até proíbe o consumo, aqui será necessário justificar muito bem tal atitude, pois, para além do mais, há vacas e… vacas.
No Relatório Resumo da Comissão EAT-Lancet, de Janeiro de 2019 *, resultante do trabalho da mesma comissão sobre “Dietas saudáveis de sistemas alimentares sustentáveis”, é dada a conhecer a nova roda dos alimentos, e apesar das restrições, há lugar para a carne, nomeadamente a de vaca. Pouca, é verdade, mais ainda assim, esta autoridade em termos médicos e ambientais, não a proíbe.
Atentemos, para já, no facto de que este relatório foi elaborado na mais actualizada perspectiva de conciliação entre os conhecimentos nutricionais e ambientais. Aliás o lema actual da Comissão EAT é “Dietas Saudáveis A Partir De Sistemas Alimentares Sustentáveis”.
E mesmo assim… não proíbe a carne de vaca…
Então, afinal, o que é que se passa?
Comecemos por notar que, segundo calculou a NASA, em 2018, no âmbito do seu programa “Carbon Monitoring System” **, as emissões de metano com origem na criação de gado no mundo atingiram 16% das emissões de Gases com Efeito de Estufa (GEE).
Se para um dado efectivo de gado ruminante existente o volume de emissões não pode ser diminuído, pois deriva de eructações próprias do seu sistema digestivo, já quanto a emissões de CO2, a forma de criação do gado tem imensa influência no volume emitido, conseguindo-se no sistema de pastagens natural, reduções da ordem dos 32 % na respectiva pegada. A forma e distância de transporte do produtor até ao consumidor é ainda uma fonte de emissões de CO2 acrescida, sendo naturalmente menos significativa quando se trata de consumo local.
Concentrando-nos agora na forma de produção, por exemplo, de gado bovino, verificamos que existem no mercado mundial três grandes tipos de criação de gado bovino:
- A produção local certificada, extensiva e em pequena ou média escala, feita sob rigorosos padrões de sustentabilidade e de regime alimentar;
- A produção massiva e extensiva, típica da América do Sul, que tem como principais óbices as grandes distâncias a que se encontra grande parte dos consumidores finais, o que reduz a sua sustentabilidade, e o crescimento constante das áreas cultivadas, frequentemente roubadas à floresta com a conivência das autoridades, para expansão da produção e maximização dos lucros das poderosas empresas produtoras, o que, reduzindo as áreas de sumidouro natural, representa ainda maior dano na sustentabilidade da produção como um todo.
- A produção industrial intensiva de carne, que se verifica um pouco por todo o mundo, mas que tem o seu paradigma nos Estados Unidos da América.
Deixemos de fora os muito pequenos produtores, pois pouca relevância têm para a problemática que estamos a abordar.
Sobre o modo de produção industrial, socorremo-nos do depoimento de Michael Pollan, jornalista de investigação e professor, na sua incontornável obra “O Dilema do Omnívoro”, publicada pelo New York Times e editada em Portugal pela Dom Quixote.
Numa parte da obra Pollan explica a origem do problema: a produção de milho nos Estados Unidos, fortemente subsidiada, e as perversões que dessa subsidiação resultam. Muito resumidamente, é-nos dado a conhecer que pelo facto de o milho ser tão subsidiado e o mecanismo de formação de preços existente a isso conduzir, os produtores são impulsionados a uma permanente e pouco racional expansão da produção deste cereal, ocupando hoje a descomunal área de cerca de 40 milhões de hectares, sempre com tendência para crescer. A produção de 2019 atingiu já cerca de 380 milhões de toneladas.
Segundo o autor que venho referindo, “as implicações da assimilação de toda esta biomassa em excesso explicam vários fenómenos, aparentemente desconexos, desde a importância crescente das grandes explorações pecuárias e a industrialização da comida, à epidemia de obesidade e ao elevado número de situações de intoxicação alimentar na América”.
Então que destino concreto é dado ao milho? O autor esclarece: alimentam o gado a milho e depois abatem-no, antes que morra… Isto porque os ruminantes não podem comer milho, nem outros cereais, é contra natura!
O milho é ainda usado para produzir etanol, substituto parcial da gasolina, bem como para produzir xarope de milho, com elevado teor de frutose, e outros derivados de milho, destinados a alimentação humana e a rações para animais, nomeadamente para aves, caprinos, suínos e peixes como o salmão.
Mas três quintos do milho produzido, cerca de 230 milhões de toneladas, são destinados às grandes explorações pecuárias, lugares esses que só existem devido à existência desse exagero de milho, e onde centenas de milhões de cabeças de gado, que antes viviam em quintas e ranchos, se encontram agora em grandes aglomerados de “fábricas”, constituindo verdadeiras cidades, onde são estabulados e induzidos a comer o máximo de milho, para o transformar em carne.
Estas metrópoles onde o gado é urbanizado e se concentram também fábricas de produtos químicos e de rações, depósitos, silos, sistemas de transporte e distribuição de alimento e muitas outras infraestruturas, são chamadas CAFO (Concentrated Animal Feeding Operation) e criaram problemas ambientais que não são de somenos: água e ar poluídos, resíduos tóxicos, novos agentes patogénicos, resíduos orgânicos sem destino e consumo fortemente acrescido de combustíveis fósseis, com as correspondentes emissões associadas.
Concretamente, os animais nascem, vivem até aos seis meses em pastos e são em seguida transportados para esses aglomerados fabris onde permanecem um máximo de 150 dias, sendo alimentados com uma mistura de milho moído, vitaminas líquidas, estrogénio sintético, antibióticos, gordura líquida (de vaca ou outros animais) e suplemento proteico.
Refere Michael Pollan que “Uma dieta intensiva de milho pode provocar acidose à vaca. Ao contrário dos nossos estômagos altamente ácidos, o pH do rúmen é neutro. O milho torna-o ácido, causando uma espécie de azia bovina que, em certos casos, pode matar o animal, mas que geralmente apenas os faz adoecer… O gado raramente sobrevive mais de 150 dias com a dieta de uma grande exploração pecuária… Aquilo que mantém estes animais saudáveis (ou relativamente saudáveis) são os antibióticos”.
O autor faz ainda referência ao grande apreço nacional (nos EUA, claro) pela “excelente” carne tenra e marmoreada (entremeada de gordura) comercializada nos EUA, de que tanto se orgulham, e que afinal não passa de carne de animais doentes, abatidos antes que morram da doença que lhes foi induzida por uma alimentação antinatural.
A sustentabilidade ambiental deste tipo de produção não deixa dúvidas: milho produzido de modo intensivo, à base de fertilizantes dependentes de combustíveis fósseis, fábricas e maquinaria que nunca seria necessária numa quinta e, se ainda fosse pouco, todos os problemas ambientais já referidos. A isto tudo soma-se a perda de sustentabilidade que seria proporcionada por uma pecuária desenvolvida em ambiente natural e integrada na economia circular duma quinta tradicional.
Resumindo, e como dizia no princípio, há vacas… e vacas, ou seja, carne de vaca… e carne de vaca.
Como vimos, a Comissão EAT recomenda um consumo bastante moderado de carne de vaca.
Aceite esta recomendação, a sustentabilidade ambiental deverá ser, então, o nosso principal critério de preferência, tendo em consideração que o mercado português de carne de vaca sustentável ou mais sustentável, muita dela já certificada, só espera pela nossa preferência esclarecida para se poder desenvolver mais e prestar um serviço inestimável à saúde e à economia dos portugueses.
Serra do Rabadão, Barrosã, Quinta Lógica, Terra Maronesa, Alentejana e muitas outras, são carnes de grande qualidade e seguras para consumo. Há que lhes dar preferência!
Talvez seja um pouco mais cara, mas como vamos comer menos carne, as coisas equilibram-se.
E, porque as vacas emitem muito metano, temos mesmo que moderar muito o seu consumo, já que o contingente mundial de gado vacum tem que ser reduzido, segundo os entendidos, para menos de um décimo.
As soluções dos problemas ambientais não estão a começar nos governos. Pois que comecem, pelo menos, em nossas casas.
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